quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
A Crônica do Amor
Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?
Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?
Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim.
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.
Arnaldo Jabor
Te Amo - Chico Buarque
Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás só fazendo de conta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir
Chico Buarque
sábado, 4 de dezembro de 2010
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração
- Fernando Pessoa
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Futebolzinho
Você já pensou em quantas mulheres dariam tudo para que o marido jogasse um futebolzinho de vez em quando?
Vocês se veem todos os dias. Conversam sobre todos os assuntos. Almoçam ou jantam juntos diariamente. Transam com alguma assiduidade. Viajam juntos. Vão ao cinema juntos. Dormem juntos. Passam todos os Natais juntos. As férias juntos. Pelo amor de Deus, como é que você tem coragem de reclamar do futebolzinho dele?
Todo mundo precisa respirar dentro de um casamento. Você, que vive se queixando do futebolzinho dos sábados, ou do futebolzinho das quintas, ou seja lá em que dia o seu marido jogue um futebolzinho com os amigos, deveria se ajoelhar e agradecer por ele ter um hobby e não compartilhá-lo com você. Ele precisa ver outras pessoas, se desintoxicar do ambiente familiar, suar a camisa, perder a barriguinha, tomar um chopinho. Você não pode privá-lo de uma coisa tão inocente.
Você já pensou em quantas mulheres dariam tudo para que o marido delas jogasse um futebolzinho de vez em quando? Tem marido que fica em casa o dia inteiro, tem marido aposentado, tem marido que só faz dormir, tem marido que não sai da frente da televisão, tem marido sem amigo: bendita seja você que tem um marido que joga um futebolzinho.
Tem marido que viaja a trabalho toda semana, marido que vive jogando pôquer às ganhas (e sempre perde), marido que desaparece de casa e só volta três dias depois, marido que cheira, fuma e bebe todos os dias, marido que aposta até a sogra nos cavalos, marido que é violento, marido que é retardado: louvado seja o marido que só quer jogar seu futebolzinho em paz.
O futebolzinho permite que você enxergue as pernas do seu marido no inverno. O futebolzinho faz com que ele externe sua virilidade, sua fúria, sua raiva contra aquele juiz filho da mãe. O futebolzinho resgata o homem primitivo que ele tem dentro dele. O futebolzinho ajuda-o a descarregar a tensão, dá a ele uns hematomas para se orgulhar. O futebolzinho é sua religião, e você quer acabar com isso só porque ele não tem prestado atenção em você? Vá procurar suas amigas e tomar um vinhozinho, bater um papinho, pegar um cineminha. Vá descolar seu próprio futebolzinho.
Eu achei que estava fora de moda o grude nas relações, que isso era coisa do passado, mas recebi um e-mail comovente de um homem apaixonado pela esposa que tenta, deseperadamente, preservar seu futebolzinho, que ela, por seu lado, tenta a todo custo exterminar. Fiquem espertas, garotas. O futebolzinho, o vinhozinho e tudo o mais que homens e mulheres fazem separados um do outro é o que os mantêm juntos.
Martha Medeiros
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